Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – Gestar II – Língua Portuguesa
Cada um de nós constrói a sua própria história
e cada ser carrega em si o dom de ser capaz,
de ser feliz!(Almir Sater/Renato Teixeira)
MEMORIAL – ALGUMAS REFLEXÕES
Por
Terezinha H. I. Christofori
Nasci na cidade de Aquidauana há 49 anos, onde hoje vivo, apesar de ter conhecido outras localidades, numa família de descendentes japoneses que sempre prezaram a qualidade em tudo que se faz, o orgulho da raça, o sucesso a qualquer preço...
Desde cedo, vendo tios e tias estudando e indo para a escola, inclusive uma tia professora e depois “supervisora”(função pedagógica da época), senti um forte desejo de estudar, de me arrumar toda com aquele uniforme que achava lindo, o sapatinho engraxado, principalmente a lancheirinha, e sair em direção à escola. Meu pai ficou todo orgulhoso com aquela disposição toda de começar tão jovem, cinco aninhos. Na época não havia a Educação infantil, mas um ciclo de primeiras séries: A, B e C. Não freqüentei muito o primeiro ano A, ficava brincando pelo caminho. Quando voltei à escola no 1º B, logo fui classificada para o 1º C, no grupo escolar. Fui então estudar na grande escola do centro da cidade, e lá vivi um dos melhores períodos da vida, visto que inesquecíveis, quando aprendi muito do que me sirvo até hoje.
A alfabetização então foi um tanto quanto conturbada, não ficávamos na mesma turma até o fim do período. Aprendi a ler e escrever brincando, antes da escola formal, e lá a alfabetização foi sistematizada, e me apaixonei pelos livros de histórias, os gibis, tudo que me apresentasse a leitura. Como faz muito tempo que tudo aconteceu, não me lembro da concepção de leitura e de leitor que sustentavam o método utilizado pela professora, mas posso afirmar que deixou frutos firmes e fortes, pois a leitura passou a fazer parte da minha vida como o ar que respirava: pulava janela escondida para ler gibis na casa dos vizinhos, encontrei uma mina do tesouro na biblioteca municipal, e tornei-me sócia assídua, que lia no local o que não podia levar emprestado, desde os livros de literatura até as enciclopédias, e enquanto não me tornava adolescente com outras prioridades, foi assim que vivi minha infância, em meio aos livros.
O código alfabético foi muito rapidamente assimilado, não foi preciso que qualquer professora se preocupasse com o desenvolvimento da compreensão das leituras com que eu me envolvia, eu e as personagens éramos um só ser, eu entrava nas histórias, vivia todos os enredos, viajava por um mundo fabuloso. Não posso dizer que invejo as crianças e jovens de hoje, que parecem ter acesso a um ilimitado acervo através da Internet. Os professores parecem não conseguir passar aos alunos a paixão pela leitura, apesar de que pareça ser o gosto pela leitura algo além de estímulos externos, em mim surgiu de dentro, foi paixão diante de um baú cheio de gibis. E dizendo isso começo a refletir, sabe que é isso mesmo? Algo que ouvi algumas vezes nos tempos de faculdade e depois, em algum curso, é preciso oferecer às crianças um ambiente motivador.
As primeiras leituras na forma oral foram realizadas por mim mesma, na escola alguns professores proporcionaram-me esse prazer, e descobri que aquele mundo podia ser ainda mais emocionante, ouvindo aquela voz agradável falando de coisas que nos fazia sonhar, depois, pela vida afora, ouvi contadores de história inacreditáveis, daqueles que parecem ser vários em um só: herói, monstro, a bruxa, a princesa...
Ah, os livros que li: gibis, o primeiro livro que ganhei: “O papa-moscas”, os contos de fada, quase toda coleção de Monteiro Lobato, quase todos os livros infantis da biblioteca municipal, literatura brasileira, portuguesa, francesa, inglesa, entre eles Agatha Christie, best-sellers, quase todos de Jorge Amado. Depois descobri os poemas e li muitos, alguns, inúmeras vezes. Surgiram as Julias e Sabrinas, na faculdade quase aconteceu o impossível, não simpatizava com as leituras solicitadas e cobradas, estranho isso! “Grande Sertão Veredas”... Terminei o curso em Três Lagoas, e voltei a amar a leitura, nos envolvemos com Machado de Assis junto com o professor Orlando Antunes, fanático por Machado. Hoje, professora, perdi as contas dos livros paradidáticos, das infanto-juvenis lidos com os alunos, e leio a Bíblia de vez em quando, menos do que deveria e gostaria.
Na minha escola, acho que posso me expressar assim, não sei o que os professores leem, eu procuro ler o que me chega, os que sugerem e os que eu gosto. Os meus alunos estão lendo, semanalmente eles dirigem-se à biblioteca para escolher livros, e talvez não 100%, mas a maioria está lendo, principalmente os menores. Tenho até um projeto nesse sentido, que envolve leitura e produção de texto, partindo do pressuposto de que quem não lê não escreve. A nossa biblioteca, felizmente, tem um acervo razoável e pessoas dedicadas cuidando dela.
Nesse projeto que citei, procuro ver mudança nos textos escritos pelos alunos depois de um tempo dedicado à leitura dos livros da biblioteca. Como sei que o aluno não deve escrever somente para um único leitor, no caso o professor, venho estimulando a postagem em Blogs que possibilitam a interação entre escritores e leitores. Todos escrevem e tem acesso aos textos dos colegas. Também discutimos e procuro ensinar a eles que os textos possuem uma finalidade, dependendo do que se escreve é preciso saber a quem aquilo interessará.
Os alunos escrevem de acordo com a seqüência do livro didático, desde textos narrativos, que passam por diversos gêneros até a criação de poemas. Alguns textos são estimulantes e sinto que eles escrevem com prazer, outros por simples obrigação, mas preocupo-me em mudar essa situação. Certos assuntos chamam mais a atenção desses adolescentes, por exemplo, um debate sobre sexualidade, e eles tanto falam quanto escrevem o que pensam, expõem suas dúvidas, expressam sua posição diante de situações.
É muito triste falar desta maneira, mas infelizmente na minha escola, ler e escrever não são práticas cotidianas e comuns. Nos dois últimos anos chegou o projeto Além das Palavras, e é neste projeto que coloco minha esperança de um dia sermos uma escola que lê e conseqüentemente, escreve com competência. É com o livro “Para Ler e Reler” , com seus poemas deliciosos e encantadores, os textos interessantes, que vejo meus alunos se interessando pela leitura, de forma natural, sem cobranças, para gostar de ler.
Tenho dois concursos e conheço os dois lados da moeda, trabalho com séries iniciais e por possuir formação em Letras, também com séries finais, e é aí que encontro os obstáculos, de alunos que não querem ler, com muitos problemas na escrita e que não veem na língua mãe nenhum atrativo. O trabalho com eles é de formiguinha, com paciência e esperança, torcendo para que as teorias que aplico deem certo.
Ainda hoje vi uma propaganda do governo federal: Seja professor! O que está acontecendo? Sei que convivemos com uma porção de problemas, violência, desinteresse, falta de investimentos... mas neste Memorial quero deixar registrado que, mesmo nos dias mais difíceis, é na sala de aula que me empolgo, que me sinto mais viva, porque sinto naquelas vidas tão diversas, que ali está o futuro, e é nosso papel torná-lo um pouco melhor!